Boqueirão da Onça, o sítio mais selvagem da Caatinga baiana
Escrito por: José Alves de Siqueira Filho
Publicado em: 07/04/2018
Nos últimos 13 anos de passagem pelo Sertão, escrevi um capítulo especial dedicado a causa da Conservação do Boqueirão da Onça e da Caatinga, ainda selvagem. Muitas expedições, coletas botânicas, insalubridade de todos os lados, aprendizados. Tive o privilégio de conhecer o que muitos sequer irão acreditar. As ações transformadoras e perenes na Caatinga exige um esforço adicional diante do desafio da educação que chegou muito tarde neste Brasil de capitais litorâneas. A criação e a gestão eficiente de áreas protegidas pelo poder público é também refúgio e lazer de quem vive em cidades violentas e desvitalizadas.
Milhares de hectares de Caatinga íntegra no município de Sento Sé, Bahia
Após dezenas de expedições científicas conduzidas pela equipe do Centro de Referência para a Recuperação de Áreas Degradadas da Caatinga (Crad/Univasf) inciadas em 2006 apresentam uma flora rica e surpreendente com mais de 900 espécies de plantas reunidas em 120 famílias botânicas, com espécies endêmicas da Caatinga, ameaçadas de extinção e até novas espécies que serão apresentadas brevemente à comunidade científica e que já se encontram no limiar da extinção. A flora do Boqueirão da Onça pode ser apreciada através de centenas de imagens disponíveis no Herbário Vale do São Francisco - HVASF através do link: www.hvasf.univasf.edu.br
Coletas botânicas da equipe do Herbário Vale do São Francisco (HVASF) em 12 anos de pesquisa
O complexo do Boqueirão da Onça reúne paisagens únicas de várias fisionomias de Caatinga, além de Campos rupestres, Cerrados, além de elementos amazônicos e atlânticos encontrados em porções úmidas relictuais conhecidos como Boqueirões, locais de refúgio de fauna, água pra matar a sede, onde o sertanejo planta seu roçado de banana, mandioca e feijão, e convive com pinturas rupestres milenares, um dos sítios arqueológicos mais importantes do Brasil reflexo de um passado de natureza lúdica, cujo homem e natureza eram realmente e não virtualmente conectados.
Pintura rupestre na grota dos Pinga, em Lage dos Negros, Campo Formoso, Bahia
Neste cenário superlativo e único, a região sofre ameaças de mineradoras, do complexo de usinas eólicas, o maior projeto em instalação no Brasil e que precisa de uma ação mais enérgica do governo para seu planejamento e regulamentação. Recentemente, o Boqueirão da Onça ganhou destaque na midia nacional com a descoberta de uma jazida de ametista que provocou uma corrida com cerca de vinte mil garimpeiros de todos os recantos no Brasil em 2017. As comunidades locais reclamam de abusos e violência, além da extração de madeira, caça de animais silvestres e furto dos rebanhos.
Por toda essa riqueza ainda desconhecida do povo brasileiro e pelo conflito de interesses exploratórios e imediatistas, a decisão de criar o Parque Nacional do Boqueirão da Onça chega tarde e tímida, longe do ideal traçado pelos técnicos do ICMBIO e cientistas envolvidos no processo ao longo dos últimos 12 anos, mas considero um passo importante e efetivo do governo brasileiro para honrar a Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro com apenas 2% de seu território protegido pela legislação federal.
Mais um fôlego para onças pintadas, tatus-bolas e flores únicas do sertão. Os municípios de Juazeiro, Campo Formoso, Sobradinho, Umburanas e Sento Sé tem nova oportunidade para gerar riqueza através dos incentivos fiscais, devem aplicar os repasses federais diretamente no turismo científico, rural e pedagógico pautados na educação, o instrumento mais poderoso de transformação da nação.
Tatu-bola, espécie ameaçada de extinção, tem uma de suas últimas populações encontradas no Boqueirão da Onça, sertão da Bahia
José Alves de Siqueira Filho
Professor Crad/Univasf
jose.siqueira@univasf.edu.br
Em 13 de março de 2018
07/04/2018