A+ A-
logo crad

O amor existe




Escrito por: Andrea Santana

Publicado em: 04/05/2017



Equipe processando as sementes

 

 

 

Muita gente canta o rio São Francisco dizendo que ele está quase morto, que a vegetação devastada não cumpre mais de forma eficiente sua função de proteção, que a fauna está desaparecendo, que os peixes estão morrendo, que o rio é um poço de agrotóxicos, que a cultura das populações ribeirinhas está em perigo.

 

 

 

Muita gente cala, escondendo ou não querendo enxergar os problemas que ele tem, ou ajudando a aumentar ainda mais o abismo que separa esse enorme corpo d’agua, que é a alma do sertão, da realidade de seu povo.

 

 

 

Como parte das filmagens de um documentário com as mulheres que vivem na beira do Velho Chico, acompanhei uma pequena equipe de pesquisadores do Crad (Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas - UNIVASF), os estudiosos da caatinga que beija aquele rio, num trabalho de campo realizado em um trecho que vai de Pedrinhas (distrito de Petrolina, Pernambuco) até Curaçá (Bahia). Um dia dentro do rio. O objetivo da expedição era colher sementes das espécies que compõem a mata ciliar, que auxilia na proteção do rio. São árvores presentes na beira do rio, da nascente até a foz. Muitas estão morrendo ou estão doentes. As sementes seriam colhidas para análise e para produzir mudas que permitam o reflorestamento, que é  um desafio muito grande.

 

 

 

A viagem começou tranquila.

 

 

 

Quem entra no rio sem saber nada dele, sem ouvir os protestos dos que sofrem, fica maravilhado com sua beleza e imensidão. E não dá para não se sentir pequenina e ser invadida por sua força e exuberância.

 

 

 

Enquanto fechava os olhos para deixar o vento acariciar meu rosto e deixar o cheiro da água e da vegetação me invadir, me senti feliz de poder navegar num rio que sempre morou dentro de mim através dos textos e músicas de grandes poetas como João Guimarães Rosa, e Caetano Veloso.

 

 

 

 Depois de uma meia hora de viagem cruzamos o primeiro barco de pescadores. Como íamos fazer nossa primeira parada, eles acostaram conosco para tratar os poucos peixes que haviam pescado e que seriam nosso almoço. Um peixe chamado pacu, que os pesquisadores não tem certeza de que é um peixe nativo do rio, mas os pescadores garantem que sim.

 

 

 

Enquanto descobria, aprendendo com o professor José Alves de Siqueira Filho, sua colega de trabalho Dayane, e as estagiárias Carla e Jessica, sobre as sementes das ingazeiras, que são as árvores mãe do Velho Chico, que lhes dão vida, que garantem sua existência, ouvia dos pescadores Genivaldo e Helio, uns apaixonados pela pesca, confiantes ainda na energia do rio, que eles hoje só conseguem pescar pacu, curimatã e piau, e que a maioria dos peixes nativos do rio ou desapareceram ou são encontrados raramente.

 

 

 

Embarcamos os peixes tratados e os sacos de sementes devidamente catalogados e continuamos a viagem. De repente, o motor do barco tocou a areia do fundo do rio que se encontrava a menos de um metro de profundidade. Estávamos a uns 300 metros de cada margem. Dayane desceu do barco e caminhou dentro d'água sem problemas e explicou que por causa do desmatamento, da substituição de árvores nativas como a ingazeira que fixa o solo com suas raízes profundas, o rio se enche de areia.

 

 

 

Depois de atravessarmos com dificuldades esse pedaço do rio cheio de bancos de areia, cruzamos o barco do João, um pescador solitário que nos conduziu ao seu porto e nos levou ao seu rancho onde pudemos fazer um fogo e fritar os peixes que havíamos comprado para nosso almoço. Foi impressionante e emocionante ver a forma como fomos recebidos por esse pescador que não conhecíamos. Ver a generosidade com a qual ele abriu as portas da sua casa e dividiu conosco o pouco do que ele tinha para que pudéssemos preparar nosso almoço, e nos oferecendo as frutas de seu jardim para nossa sobremesa. A família dele também apareceu para conversar com a gente. São agricultores que, por medo de perder a plantação, despejam agrotóxicos nas plantas. Venenos que penetram na terra e escorem até o rio, são engolidos pelas plantas ribeirinhas, pelos peixes e no final tudo vai para a barriga.

 

 

 

Passamos um momento ímpar de convivialidade naquele pedacinho de paraíso simples e aconchegante, onde, ajudando Carla e Jessica a retirar as sementes colhidas de seus invólucros, me enriquecia com a aula-espetáculo do José Siqueira, que me lembrava a sabedoria, o humor e a paixão pela caatinga e o sertão do grande mestre Ariano Suassuna.

 

 

 

Continuamos nossa viagem e alguns minutos mais tarde, após cruzarmos dois ou três barcos com pescadores, chegamos numa região que apresentava um portal de cachoeiras, que são as corredeiras de água por conta de muitas pedras. Demos várias voltas procurando o melhor lugar para passar sem corremos o risco de quebrarmos a hélice do motor nem virarmos o barco.

 

 

 

O primeiro barco passou. Ainda ao som dos gritos de felicidade, o segundo barco, onde eu estava, ficou enganchado nas pedras e por sorte não virou. Imediatamente um pescador que passava veio nos salvar. Primeiro me levou juntamente com Jessica para a margem. Depois voltou e com sua grande experiência e conhecimento dos segredos do rio, desenganchou a barca das pedras.

 

 

 

É verdade que apesar de saber que estávamos nas mãos de Ladislau e Augusto, dois bons pilotos, fiquei apreensiva pois ainda tinha muito rio pela frente e o sol já estava começando a baixar. Mas a apreensão não impediu que os últimos momentos da viagem fossem emocionantes porque o rio ainda toca a gente profundamente por sua beleza, pela energia de suas águas. Águas que hidrataram tantas terras e tantos homens, mulheres e crianças desse sertão, que alimentaram tanta gente com seus peixes, que transportaram tantos nordestinos cheios de sonhos. Os reflexos das últimas cores do sol nas águas do Velho Chico se fundindo com o brilho da noite e as luzes da cidade de Curaçá, nosso porto de chegada, estão registrados na minha memória juntamente com a generosidade dos Genivaldos, Helios, Joãos e Marias do Francisco, esse rio que parece nome de um ente querido da nossa família.

 

 

 

 Graças aos Josés Siqueiras, às Dayanes, às Carlas, às Jessicas, e o carinho que eles dedicam às sementinhas, posso dizer que o amor existe e ter esperança de que nada está perdido e que o rio São Francisco ainda vive e pode voltar a ser grande.

 

 

 

Andrea Santana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Cineasta. Arquiteta e Urbanista pela UFC. Doutora em Geografia Física pela USP)



04/05/2017

Herbário HVASF

O Herbário Vale do São Francisco (HVASF) foi criado em novembro de 2005 para servir de apoio às atividades de ensino e pesquisa da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Tem como objetivo torna-se um dos herbários de referência na caatinga


Herbário HVASF

Guia de Campo

Didático e com linguagem acessível a estudantes, professores ou mesmo àqueles que gostam de ecoturismo, o o Guia de campo de árvores da caatinga traz fotos e informações curiosas sobre a vegetação desse bioma, cujas belezas e extensão são conhecidas por poucos.


Guia de campo

Registro de Frequência

O registro de frequência foi desenvolvido para auxiliar o acompanhamento de atividades realizadas por alunos no Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas, registrando com exatidão a permanência durante o estágio para confecção do certificado.


Sistema de Registro de Frequência